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CLÁUSULAS RESTRITIVAS NA HERANÇA: ATÉ ONDE VAI O PODER DO TESTADOR?

08/04/2025 - Como proteger o patrimônio na herança / Cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade / Como evitar a dilapidação e liquidação do patrimônio pelos herdeiros

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A preocupação com a preservação do patrimônio familiar após a morte é comum entre titulares que desejam garantir que seus bens não sejam desperdiçados ou mal administrados pelos herdeiros.


Em muitos casos, o receio de que um sucessor, por deficiência psíquica, imaturidade, dificuldades financeiras ou influências externas, venha a liquidar o patrimônio recebido, leva à busca por formas jurídicas de proteção.


Antes de começar a explicação gostaria de deixar bem claro que existe um ponto que pode confundir muitos leitores que não possuem uma proximidade com o Direito Sucessório, para explicar, darei um exemplo, vejamos:
 

  1. Roberto possui alguns imóveis, todos alugados para garantir uma velhice confortável. Ele é pai de Ana, filha maior de idade e única herdeira, visto que a esposa de Roberto já é falecida. Ana não é uma boa administradora de bens e, constantemente, se envolve em dívidas.
     

  2. Roberto falece, mas antes da data trágica, deixa registrado em seu testamento e na matrícula dos imóveis três cláusulas vitalícias sobre os bens que ficarão com Ana, são as famosas cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade. Isto pois teme que a filha acabe liquidando o patrimônio por causa das dívidas, ele faz isso em um ato de amor, para que a filha não perca o usufruto dos mesmos e transmita para seus netos;
     

  3. Ana namorou Mario durante alguns anos, mas nunca foram morar juntos e tiveram um término conturbado, onde Ana ainda nutria sentimentos pelo ex-companheiro. Após anos sem contato, Ana casou-se com Cláudio, com quem veio a ter 3 filhos. Porém, nunca deixou de amar Mario;

    4. 
    Ana contrai uma doença incurável e, antes de falecer, escreve no seu testamento que 50% do seu patrimônio seria indicado à Mario ou seus herdeiros, caso este já tenha falecido.

    5.Quando Ana falece, Cláudio descobre o testamento de sua esposa e provoca o judiciário para que os bens não sejam entregues à família de Mario, alegando que o pai de Ana havia colocado as cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade nos bens, e que Roberto tinha a intenção de proteger seus netos além da própria filha. 

As cláusulas deixadas por Roberto são vitalícias, mas não são eternas e nem podem. O parágrafo sétimo da revista “Jurisprudência em Teses – 235. Sucessão Testamentaria”:


“As cláusulas de inalienabilidade, incomunicabilidade e impenhorabilidade vitalícias previstas em testamento têm duração limitada à vida do beneficiário e não se relacionam à vocação hereditária.”1


E quando elas serão interrompidas? Ora, justamente no momento do falecimento da única herdeira, a partir deste momento passa a valer o testamento de Ana.


Ou seja, as cláusulas impediram que Ana liquidasse o patrimônio deixado, mas não impedem que, após o falecimento de Ana, seja respeitada o testamento da mesma. O que significa que Mario, ou seus herdeiros, receberão de herança 50% do disposto patrimônio e Cláudio não poderá impedir (Lembrando que Mario não foi amante de Ana durante a união com Cláudio, caso assim fosse, o testamento de Ana seria nulo).


Este é o ponto que acaba confundindo muitos leitores:

“Mas se Roberto deixou as cláusulas, como que Ana conseguiu deixar a herança para terceiros? Os bens estavam ‘inalienados’.”

Novamente, as cláusulas são vitalícias, mas somente durante a vida de Ana. Quando esta falece, as cláusulas deixam de existir e passa a valer o testamento que a mesma deixou. Caso Ana tivesse reiterado as cláusulas no testamento dela, as mesmas voltariam a valer para seus filhos.

O Ministro Antônio Carlos Ferreira do Superior Tribunal de Justiça (STJ), no Recurso Especial 1641549/RJ deixou bem exposto:

“[…] Conforme a doutrina e a jurisprudência do STJ, a cláusula de inalienabilidade vitalícia tem duração limitada à vida do beneficiário – herdeiro, legatário ou donatário –, não se admitindo o gravame perpétuo, transmitido sucessivamente por direito hereditário. […]”2
 

Mas antes de correr para o cartório colocar cláusulas nos seus bens e já realizar um testamento, é preciso entender que é necessário uma JUSTA CAUSA para que seu herdeiro receba imóveis “travados”. Ou seja, cláusulas sem uma justa consideração serão facilmente derrubadas por decisões judiciais.


O artigo 1.848 do Código Civil explicita:

 

Salvo se houver justa causa, declarada no testamento, não pode o testador estabelecer cláusula de inalienabilidade, impenhorabilidade, e de incomunicabilidade, sobre os bens da legítima.”3


Mas então, quais são as causas justas para ‘bloquear’ um bem? Bom, não há uma lei definindo o que é justo nestes casos, então tudo ficará a cargo do bom senso e da ponderação do juiz que julgará a lide, mas normalmente as causas escoram em alguns casos como:
 
  • Proteção contra incapacidade ou vulnerabilidade do herdeiro: quando o herdeiro possui deficiência, enfermidade psíquica ou quadro que prejudique sua gestão patrimonial;
  • Histórico de má administração financeira: herdeiros pródigos ou com histórico de endividamento crônico que correm o risco de liquidar/dilapidar o patrimônio injustificadamente;
  • Risco de constrição judicial do bem: quando há ações judiciais em curso contra o herdeiro ou risco de execuções futuras, a cláusula busca blindar o bem;
  • Preservação do patrimônio familiar: quando o testador possui interesse na manutenção do bem no núcleo familiar, pois o imóvel é de uso comum ou de valor histórico para a família;
  • Resguardo em face de casamentos ou uniões estáveis: usado principalmente quando o testador desconfia do genro/nora e quer blindar o bem de ser divido em um possível divórcio ou dissolução de união estável do sucessor.

Existem outros casos onde também é possível adicionar as cláusulas de incomunicabilidade, impenhorabilidade e inalienabilidade, mas, como dito anteriormente, dependerá do ponderamento judicial para saber se as cláusulas permanecerão de pé ou serão derrubadas em uma ação judicial.
 
É importante salientar que o assunto é alvo de muita discussão entre os juristas, existindo aqueles que defendem que as cláusulas são uma violação dos direitos de propriedade e sua função social, com ampla garantia do direito de herança, conforme elencado nos incisos XXII, XXIII e XXX do Art. 5º da Constituição Federal de 1988.4

Apesar de não concordar com a versão dos juristas descrita acima, não cabe a mim, neste singelo espaço, defender o que acredito ou não, mas somente trazer informações.
 
O doutor em Direito Civil pela USP, Dr. Mario Luiz Delgado ainda fortalece:
 
A justa causa exigida no artigo 1.848 deve ser a mais ampla possível, não se devendo buscar do testador detalhamentos exagerados e, muitas vezes, desconfortáveis. A orientação pretoriana tem se inclinado no sentido de relativizar o rigor da enumeração do artigo 1.848, não se impondo ao testador exagerado detalhamento dos motivos invocados, encontrando-se atendida a exigência legal […]”.5

Concluindo, o uso das cláusulas restritivas no testamento é instrumento legítimo de proteção patrimonial, desde que respeitados os limites legais e fundamentado em justa causa. Compreender sua natureza vitalícia, e não perpétua, é essencial para garantir a eficácia do planejamento sucessório sem afrontar o direito à legítima disposição dos bens.


REFERÊNCIAS


 
1BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. Jurisprudência em Teses nº 235 – Sucessão Testamentária. Brasília, DF: STJ, mai. 2024. Acesso em: 08 abr. 2025. Disponível em: https://www.stj.jus.br/docs_internet/jurisprudencia/jurisprudenciaemteses/Jurisprudencia%20em%20Teses%20235%20-%20Sucessao%20Testamentaria.pdf.
 
2BRASIL. Superior Tribunal de Justiça. REsp 1.641.549/RJ. Relator: Ministro Antonio Carlos Ferreira. Quarta Turma. Julgado em: 20 ago. 2019. DJe: 23 ago. 2019. Acesso em: 08 abr. 2025. Disponível em: https://processo.stj.jus.br/processo/revista/documento/mediado/?componente=ATC&sequencial=99790949&num_registro=201401185744&data=20190820&tipo=5&formato=PDF.
 
3BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Art. 1.848. Disponível em: https://www.jusbrasil.com.br/topicos/10603698/artigo-1848-da-lei-n-10406-de-10-de-janeiro-de-2002. Acesso em: 08 abr. 2025.
 
4BRASIL. Constituição da República Federativa do Brasil de 1988. Brasília, DF: Presidência da República. Acesso em: 08 abr. 2025. DisponívDELGADO, Mario Luiz. A cláusula de incomunicabilidade e a justa causa testamentária. Consultor Jurídico, São Paulo, 23 jan. 2022. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-jan-23/processo-familiar-oneracao-bens-legitima-clausula-incomunicabilidade-justa-causa-testamentaria/. Acesso em: 08 abr. 2025. el em: https://www.planalto.gov.br/ccivil_03/constituicao/constituicao.htm.
 
5DELGADO, Mario Luiz. A cláusula de incomunicabilidade e a justa causa testamentária. Consultor Jurídico, São Paulo, 23 jan. 2022. Disponível em: https://www.conjur.com.br/2022-jan-23/processo-familiar-oneracao-bens-legitima-clausula-incomunicabilidade-justa-causa-testamentaria/. Acesso em: 08 abr. 2025. 
 




Fonte: Rafael F. Garcia (Bacharel em Direito - OAB/SP 528.198)

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