PERDA DO IMÓVEL EM TERRENO ALIENADO: O DILEMA DA ACESSÃO E DA BOA-FÉ
14/03/2025 - Alienação fiduciária / Retenção de benfeitorias / Comprador de boa-fé

No Brasil, a alienação fiduciária tem sido um dos principais mecanismos para a aquisição de imóveis. Contudo, um problema recorrente surge quando um comprador constrói uma casa em um terreno que ainda não foi quitado e, por inadimplência, corre o risco de perder tudo. Esse cenário levanta uma questão jurídica sensível: a casa, construída com recursos próprios, deveria ser perdida junto com o terreno?
A alienação fiduciária, regulamentada pela Lei nº 9.514/97, é um mecanismo de garantia para a obtenção de crédito ou financiamento. Nesse modelo, o devedor – denominado fiduciante ou mutuário – transfere ao credor – chamado fiduciário – a propriedade resolúvel de um imóvel como forma de assegurar o pagamento da dívida assumida. Dessa maneira, o credor, que geralmente é uma instituição financeira, detém a chamada "propriedade fiduciária" do bem dado em garantia, enquanto o devedor mantém a posse do imóvel sob a "propriedade fiduciante". Somente após a quitação integral do financiamento é que ocorre o cancelamento da alienação fiduciária, permitindo a averbação da transferência definitiva da propriedade no Registro de Imóveis para o adquirente.¹
A boa-fé, nesse caso, é um elemento central. Se o comprador construiu a casa sem intenção de fraude, isto é, crendo que cumpriria suas obrigações e se tornaria proprietário pleno, ele pode buscar na Justiça o direito à retenção por benfeitorias que, neste caso, equivalem ao imóvel inteiro construído sobre o terreno alienado.
O artigo 1.219 do Código Civil³ garante esse direito ao possuidor de boa-fé, permitindo que ele retenha o imóvel até ser indenizado pelo valor investido na construção. No entanto, a alienação fiduciária impõe desafios: o credor pode argumentar que, desde o início, o imóvel estava vinculado à dívida e, portanto, a construção ocorreu por risco do próprio comprador.
Para isso, caso haja inadimplência por parte do fiduciante, o credor dispõe o parágrafo primeiro do art. 26 da Lei 9.514/97, onde está disposto que: "Para fins do disposto neste artigo, o devedor e, se for o caso, o terceiro fiduciante serão intimados, a requerimento do fiduciário, pelo oficial do registro de imóveis competente, a satisfazer, no prazo de 15 (quinze) dias, a prestação vencida e aquelas que vencerem até a data do pagamento, os juros convencionais, as penalidades e os demais encargos contratuais, os encargos legais, inclusive os tributos, as contribuições condominiais imputáveis ao imóvel e as despesas de cobrança e de intimação."⁴
Nesse mesmo sentido a 2ª Câmara de Direito Privado da cidade de Jaboticabal/SP decidiu:
"DIREITO CIVIL E PROCESSUAL CIVIL. AGRAVO DE INSTRUMENTO. AÇÃO DE RESCISÃO CONTRATUAL, RESTITUIÇÃO PARCIAL DE VALORES PAGOS, INDENIZAÇÃO POR BENFEITORIAS E ACESSÕES E PEDIDO DE TUTELA DE URGÊNCIA PARA SUSPENSÃO DE LEILÃO EXTRAJUDICIAL. I – CASO EM EXAME. 1. [...]. 2. [...]. 3. [...]. 4. [...]. 5. Hipótese na qual houve a notificação dos devedores para satisfazerem, no prazo de 15 dias, as prestações vencidas e as que se vencessem até a data do pagamento, assim como os demais encargos, inclusive as despesas de cobrança e intimação, tendo o prazo decorrido em 28/11/2023, sem que os fiduciantes purgassem a mora. Atendido o quanto disposto no art. 26, §§ 1º e 7º, da Lei nº 9.514/97. 6. Os Agravantes não apontaram vício na consolidação da propriedade do imóvel em nome da credora fiduciária, inexistindo provados requisitos para a suspensão dos leilões extrajudiciais e do procedimento expropriatório, inclusive já ocorridos na origem. IV DISPOSITIVO E TESE. 7. DECISÃO MANTIDA – RECURSO CONHECIDO EM PARTE e, na parte conhecida, NÃO PROVIDO. Tese de julgamento: Havendo regular intimação do devedor para purgação da mora e respectiva consolidação da propriedade do imóvel em nome da credora fiduciária, não se vislumbra indicativo da suspensão do procedimento de alienação extrajudicial do imóvel alienado fiduciariamente, já ocorrido na origem." Dispositivos relevantes citados: [...]. (TJSP; Agravo de Instrumento 2361263-86.2024.8.26.0000; Relator (a): Corrêa Patiño; Órgão Julgador: 2ª Câmara de Direito Privado; Foro de Jaboticabal - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 10/03/2025; Data de Registro: 10/03/2025.0000)"⁵
Ou seja, de acordo com a decisão, mesmo as parte apelante alegando que o imóvel era o único bem da família, a decisão de leiloar toda a estrutura foi mantida.
Para evitar esse tipo de situação é essencial que compradores tomem algumas precauções:
- Verificar cláusulas do contrato para entender se há restrições à construção antes da quitação do terreno;
- Registrar formalmente as benfeitorias e buscar autorização do credor fiduciário;
- Manter todos os comprovantes de pagamento e eventuais comunicações com a instituição financeira ou empresa responsável;
- Consultar um advogado especializado em direito imobiliário antes de realizar grandes investimentos em um terreno alienado;
Referências:
2. Art. 1.522. Aquele que semeia, planta ou edifica em terreno alheio perde, em proveito do proprietário, as sementes, plantas e construções; se procedeu de boa-fé, terá direito a indenização. (BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano 139, n. 8, p. 1-74, 11 jan. 2002);
3. Art. 1.219. O possuidor de boa-fé tem direito à indenização das benfeitorias necessárias e úteis, bem como, quanto às voluptuárias, se não lhe forem pagas, a levantá-las, quando o puder sem detrimento da coisa, e poderá exercer o direito de retenção pelo valor das benfeitorias necessárias e úteis. (BRASIL. Lei nº 10.406, de 10 de janeiro de 2002. Institui o Código Civil. Diário Oficial da União: seção 1, Brasília, DF, ano 139, n. 8, p. 1-74, 11 jan. 2002);
4. BRASIL. Lei n.º 9.514, de 20 de novembro de 1997. Dispõe sobre o Sistema de Financiamento Imobiliário, institui a alienação fiduciária de coisa imóvel e dá outras providências. Brasília/DF;
5. TJSP; Agravo de Instrumento 2361263-86.2024.8.26.0000; Relator (a): Corrêa Patiño; Órgão Julgador: 2ª Câmara de Direito Privado; Foro de Jaboticabal - 2ª Vara Cível; Data do Julgamento: 10/03/2025; Data de Registro: 10/03/2025
Fonte: Rafael F. Garcia (Bacharel em Direito - OAB/SP 528.198)
Outras Notícias

Dividendos em alta: Veja os fundos imobiliários que mais pagam em 2025
Os Fundos de Investimento Imobiliário (FIIs) funcionam como um condomínio de investidores que aplicam recursos em ativos do setor imobil...
VANTAGENS DE MORAR NO CENTRO DE SÃO JOSÉ DO RIO PRETO/SP
1. Acesso imediato a tudo o que importa No Centro, você está a poucos passos de praticamente tudo. E aqui não é for&cced...
Governo amplia acesso ao Minha Casa, Minha Vida com nova faixa de renda
O Governo Federal anunciou nesta semana a criação de uma nova faixa de renda para o programa habitacional Minha Casa, Minha Vida, com o ...
CLÁUSULAS RESTRITIVAS NA HERANÇA: ATÉ ONDE VAI O PODER DO TESTADOR?
A preocupação com a preservação do patrimônio familiar após a morte é comum entre titulares que deseja...
A PROTEÇÃO DO TERCEIRO DE BOA-FÉ NAS ALIENAÇÕES IMOBILIÁRIAS: CONSIDERAÇÕES SOBRE A FRAUDE À EXECUÇÃO E A PUBLICIDADE REGISTRAL
É relativamente comum a ocorrência de situações em que um imóvel, embora formalmente disponível para venda, e...
PENHORA DO ÚNICO IMÓVEL DE FAMÍLIA EM CASO DE FIANÇA É POSSÍVEL?
É tácito que um imóvel único de bem de família é garantido sua impenhorabilidade, conforme previsto na Lei 8...
São José do Rio Preto lidera crescimento imobiliário no interior de São Paulo, aponta estudo da ABRAINC
Cidade apresentou crescimento de 255% nos lançamentos; Marília e Sumaré, com altas de 55% e 11%, respectivamente, também s...